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sábado, 8 de março de 2014

Sermão da Quarta-feira de Cinzas - Pe. Antonio Vieira (Dicas para viver bem a Quaresma)

Extratos do Sermão da quarta-feira de Cinzas do Pe. Antonio Vieira, um dos maiores pregadores de nossa Terra de Santa Cruz.

Em Roma, na Igreja de S. António dos Portugueses, Ano de 1670.


Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris (1).

(1) Lembra-te homem, que és pó, e em pó te hás de converter.

I. O pó futuro, em que nos havemos de converter, é visível à vista, mas o pó presente, o pó que somos, como poderemos entender essa verdade? A resposta a essa dúvida será a matéria do presente discurso.

Duas coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes, ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa e evidente, que não é necessário entendimento para crer: outra de tal maneira certa e dificultosa, que nenhum entendimento basta para a alcançar.

Uma é presente, outra futura, mas a futura vêem na os olhos, a presente não a alcança o entendimento.

E que duas coisas enigmáticas são estas?

Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois pó, e em pó vos haveis de converter.

— Sois pó, é a presente; em pó vos haveis de converter, é a futura.

O pó futuro, o pó em que nos havemos de converter, vêem no os olhos; o pó presente, o pó que somos, nem os olhos o vêem, nem o entendimento o alcança.

Que me diga a Igreja que hei de ser pó: In pulverem reverteris, não é necessário fé nem entendimento para o crer.

Naquelas sepulturas, ou abertas ou cerradas, o estão vendo os olhos. Que dizem aquelas letras? Que cobrem aquelas pedras? As letras dizem pó, as pedras cobrem pó, e tudo o que ali há é o nada que havemos de ser: tudo pó.

Vamos, para maior exemplo e maior horror, a esses sepulcros recentes do Vaticano. Se perguntardes de quem são pó aquelas cinzas, responder vos ão os epitáfios, que só as distinguem: Aquele pó foi Urbano, aquele pó foi Inocêncio, aquele pó foi Alexandre, e este que ainda não está de todo desfeito, foi Clemente.

De sorte que para eu crer que hei de ser pó, não é necessário fé, nem entendimento, basta a vista.

Mas que me diga e me pregue hoje a mesma Igreja, regra da fé e da verdade, que não só hei de ser pó de futuro, senão que já sou pó de presente: Pulvis es?

Como o pode alcançar o entendimento, se os olhos estão vendo o contrário?

É possível que estes olhos que vêem, estes ouvidos que ouvem, esta língua que fala, estas mãos e estes braços que se movem, estes pés que andam e pisam, tudo isto, já hoje é pó: Pulvis es?

Argumento à Igreja com a mesma Igreja: Memento homo.

A Igreja diz me, e supõe que sou homem: logo não sou pó.

O homem é uma substância vivente, sensitiva, racional.

O pó vive? Não.

Pois como é pó o vivente?

O pó sente? Não.

Pois como é pó o sensitivo?

O pó entende e discorre? Não.

Pois como é pó o racional?

Enfim, se me concedem que sou homem: Memento homo, como me pregam que sou pó: Quia pulvis es?

Nenhuma coisa nos podia estar melhor que não ter resposta nem solução esta dúvida. Mas a resposta e a solução dela será a matéria do nosso discurso. [ ...]

[...]

Em que cuidamos, e em que não cuidamos?

Homens mortais, homens imortais, se todos os dias podemos morrer, se cada dia nos imos chegando mais à morte, e ela a nós, não se acabe com este dia a memória da morte.

Resolução, resolução uma vez, que sem resolução nada se faz.

E para que esta resolução dure e não seja como outras, tomemos cada dia uma hora em que cuidemos bem naquela hora.

De vinte e quatro horas que tem o dia, por que se não dará uma hora à triste alma?

(23) Disse: Agora começo (Sl 76,11). Esta é a melhor devoção e mais útil penitência, e mais agradável a Deus, que podeis fazer nesta quaresma.

Tomar uma hora cada dia, em que só por só com Deus e connosco cuidemos na nossa morte e na nossa vida.

E porque espero da vossa piedade e do vosso juízo que aceitareis este bom conselho, quero acabar deixando vos quatro pontos de consideração para os quatro quartos desta hora.

Primeiro: quanto tenho vivido?

Segundo: como vivi?

Terceiro: quanto posso viver?

Quarto: como é bem que viva?

Torno a dizer para que vos fique na memória: Quanto tenho vivido? Como vivi? Quanto posso viver? Como é bem que viva? Memento homo!

(Fonte: salvemaliturgia.com)

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